Powered By Blogger

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A TEORIA DO "QUINTAL" DE TIO SAM


A doutrina Monroe - do presidente americano James Monroe - que na teoria se batia contra o colonialismo europeu - "Julgarmos propícia esta ocasião para afirmar, como um princípio que afeta os direitos e interesses dos Estados Unidos, que os continentes americanos, em virtude da condição livre e independente que adquiriram e conservam, não podem mais ser considerados, no futuro, como suscetíveis de colonização por nenhuma potência européia" - na verdade abriu as portas para o estabelecimento da América Latina como área de esfera de influência dos Estados Unidos. Abaixo, análise de Conn Hallinan sobre as perspectivas dessa doutrina que ainda rege as relações do Grande Irmão do Norte com nosotros abaixo do Rio Grande.  

Militarizando a América Latina

(o vergonhoso legado da Doutrina Monroe)

Conn Hallinan, no Conterpunch

O presidente americano James Monroe
Dezembro passado marcou o centésimo nono aniversário da Doutrina Monroe, a declaração política do presidente James Monroe, em 1823, que essencialmente tornou a América Latina um quintal exclusivo dos Estados Unidos. E se alguém tem alguma dúvida sobre o que estava no coração da doutrina, desde 1843 os Estados Unidos intervieram no México, Argentina, Chile, Haiti, Nicarágua, Panamá, Cuba, Porto Rico, Honduras, República Dominicana, Guatemala, Costa Rica, El Salvador, Uruguai, Granada, Bolívia e Venezuela. No caso da Nicarágua, nove vezes; Honduras, oito.

Algumas vezes a intrusão dispensou as gentilezas diplomáticas: a infantaria dos Estados Unidos assaltou o castelo de Chapultepec na cidade do México em 1847, os fuzileiros navais caçaram insurgentes na América Central e o general “Black Jack” Pershing perseguiu Pancho Villa em Chihuahua em 1916.
Em outros casos a intervenção foi tramada nas sombras — um pagamento secreto, um piscar de olhos para alguns generais ou o estrangulamento econômico de algum governo que teve a temeridade de propor reforma agrária ou redistribuição da riqueza.

Por 150 anos a história desta região, que se espalha por dois hemisférios e inclui de tundras congeladas a desertos escorchantes e florestas tropicais, foi em grande parte determinada pelo que acontecia em Washington. Como o velho ditador mexicano Porfirio Diaz colocou certa vez, a grande tragédia da América Latina era ficar tão longe de Deus, tão perto dos Estados Unidos.

Mas a América Latina de hoje não é a mesma de 20 anos atrás. Governos de esquerda ou progressistas dominam a maior parte da América do Sul.
A China substituiu os Estados Unidos como o maior parceiro comercial da região e o Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela se juntaram  em um mercado comum, o Mercosul, que é o terceiro maior do planeta.

Outras cinco nações são membros-associados. A União das Nações Sul-Americanas e a Comunidade de Estados Latino Americanos e do Caribe deixaram de lado aquela relíquia da Guerra Fria, a Organização dos Estados Americanos. A penúltima inclui Cuba, mas exclui os Estados Unidos e o Canadá.

Na superfície, a Doutrina Monroe parece estar morta.

Soldados americanos invadem o Panamá, em 1989
Motivo pelo qual as políticas do governo Obama em relação à América Latina parecem tão perturbadoras. Depois de décadas de paz e desenvolvimento econômico, por que os Estados Unidos estão engajados em um grande investimento militar na região? Por que Washington virou os olhos para dois golpes bem sucedidos — e uma tentativa — nos últimos três anos? E por que Washington se distancia das práticas predatórias dos chamados fundos-abutre, cuja cobiça ameaça desestabilizar a economia argentina?

Como aconteceu na África e na Ásia, o governo Obama militarizou sua política externa em relação à América Latina. Washington espalhou uma rede de bases da América Central à Argentina. A Colômbia agora tem sete grandes bases e há outras instalações militares dos Estados Unidos em Honduras, Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá e Belize.


A recém-reativada Quinta Frota patrulha o Atlântico Sul. Os fuzileiros navais estão na Guatemala perseguindo traficantes de drogas e as Forças Especiais estão em Honduras e na Colômbia. Quais são suas missões? Quantos homens são? Não sabemos porque muito disso fica obscuro sob o manto da “segurança nacional”.

O investimento militar é acompanhado da tolerância por golpes. Quando os militares e a elite hondurenha derrubaram o presidente Manuel Zelaya em 2009, em vez de condenar a derrubada o governo Obama fez lobby — sem sucesso, na maior parte das vezes — para que as nações latinoamericanas reconhecessem o governo instalado ilegalmente.

A Casa Branca também ficou silente, no ano seguinte, sobre a tentativa de golpe contra o esquerdista Rafael Correa no Equador e se negou a condenar o golpe “parlamentar” contra o presidente progressista Fernando Lugo, o chamado Bispo Vermelho, no Paraguai.

Memórias obscuras de golpes maquinados e apoiados pelos Estados Unidos no Brasil, Argentina, Chile e Guatemala são difíceis de esquecer no continente, como um recente comentário do ministro da economia da Argentina deixou claro. Chamando de “colonialismo legal” a decisão de uma corte de apelação dos Estados Unidos pela qual Buenos Aires deveria pagar U$ 1,3 bilhão em danos a credores de dois fundos-abutre, o ministro disse que “tudo o que precisamos agora é que o [juiz Thomas] Griesa nos mande a Quinta Frota”.

Muito do investimento militar dos Estados Unidos acontece por trás da retórica da guerra contra as drogas, mas uma olhada na posição das bases na Colômbia sugere que a proteção de oleodutos, não os traficantes, tem mais a ver com as ordens recebidas pelas Forças Especiais. O Plano Colômbia, que já custou perto de U$ 4 bilhões, foi concebido e defendido pela companhia de petróleo e gás Occidental Petroleum, de Los Angeles.

A Colômbia tem atualmente cinco milhões de refugiados, o maior número do mundo. Também é um lugar muito perigoso se você é sindicalista, apesar de Bogotá supostamente ter instituído o Plano de Ação do Trabalho, como parte do tratado de livre comércio que fechou com Washington. Mas desde que o governo Obama declarou oficialmente que o governo colombiano cumpre as regras do Plano, os ataques contra sindicalistas aumentaram.

“O que aconteceu desde isso [os Estados Unidos deram sua declaração] foi um surto de represálias contra sindicalistas e ativistas, que realmente acreditavam no Plano”, diz Gimena Sanchez-Garzoli, de uma organização que monitora a América Latina, WOLA. 

A Human Rights Watch chegou à mesma conclusão.
A guerra contra as drogas tem sido um desastre completo, como um crescente número de líderes latinoamericanos está concluindo. Pelo menos 100 mil pessoas morreram ou desapareceram apenas no México e o comércio de drogas corrompe governos, militares e forças policiais da Bolívia aos Estados Unidos. Antes que a gente pense que se trata de um problema latinoamericano, vários policiais do Texas foram recentemente indiciados por ajudar a transportar drogas do México para os Estados Unidos.

O governo Obama deveria se integrar aos líderes regionais que decidiram examinar a questão da legalização e desmilitarização da guerra contra as drogas. Estudos recentes demonstram que há um grande aumento da violência assim que os militares se tornam parte do conflito e que, como Portugal e a Austrália deixaram claro, a legalização não leva a um aumento no número de viciados.

Uma das grandes iniciativas dos Estados Unidos na região é o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, NAFTA, ainda que tenha causado aumento da pobreza, do deslocamento social e mesmo do tráfico de drogas. Em seu livro “Drug War Mexico”, Peter Walt e Roberto Zapeda apontam para a desregulamentação que abriu as portas também para traficantes, um perigo sobre o qual a Alfândega dos Estados Unidos e a Drug Enforcement Administration (DEA) haviam sido alertadas desde 1993.

Ao reduzir ou eliminar tarifas, o NAFTA inundou a América Latina com milho barato, subsidiado pelo governo dos Estados Unidos, o que colocou milhões de pequenos fazendeiros na falência, forçando-os a imigrar, enchendo cidades já estressadas ou a aderir à produção de plantas mais lucrativas — maconha e cocaína. Desde 1994, quando o NAFTA entrou em vigor, até 2000, cerca de 2 milhões de fazendeiros mexicanos deixaram suas terras e centenas de milhares de pessoas não documentadas imigraram para os Estados Unidos por ano.

De acordo com a ONG de ajuda humanitária Oxfam, o tratado de livre comércio com a Colômbia vai resultar em redução de renda para 1,8 milhão de fazendeiros locais e perda para entre 48 e 70% dos 400 mil colombianos que hoje trabalham ganhando o salário mínimo local, equivalente a 328,08 dólares.
“Comércio livre” evita que países emergentes protejam suas próprias indústrias e recursos e os jogam contra o poder industrial dos Estados Unidos. Este campo desigual resulta em pobreza para os latinoamericanos, mas enormes lucros para as corporações norte-americanas e algumas das elites locais.

A Casa Branca continuou a demonização de Hugo Chávez da Venezuela que herdou do governo Buch, apesar do fato de Chávez ter sido eleito por grandes margens e seu governo ter promovido uma grande redução da pobreza. De acordo com as Nações Unidas, a desigualdade na Venezuela é a mais baixa da América Latina, a pobreza foi cortada pela metade e a extrema pobreza em 70%. Estes tipos de números são coisas que o governo Obama supostamente comemora.

Quanto aos ataques de Chávez aos Estados Unidos, dado o apoio norte-americano ao golpe contra ele em 2002, à colocação de Forças Especiais e da CIA na vizinha Colômbia e à atitude blasé de Washington em relação a golpes, não se pode culpar os chavistas por um certo grau de paranoia.
Washington deveria reconhecer que a América Latina está experimentando novos modelos políticos e econômicos numa tentativa de reduzir a pobreza, o subdesenvolvimento e as crônicas divisões entre ricos e pobres na região. Em vez de marginalizar líderes como Chávez, Correa, Evo Morales da Bolívia e Cristina Kirchner da Argentina, o governo Obama deveria aceitar que o fato de que os Estados Unidos não são mais o Colosso do Norte que consegue sempre o que quer. De qualquer forma, são os Estados Unidos que estão sendo marginalizados na região, não seus oponentes.

Em vez de assinar leis estranhas como o “Ato para Enfrentar o Irã no Hemisfério Ocidental” (bens a Deus), a Casa Branca deveria fazer lobby para tornar o Brasil um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, promover o fim de seu bloqueio ilegal e imoral contra Cuba e exigir que o Reino Unido acabe com seu apoio à colônia das ilhas Falkland, ou Malvinas. O fato é que o Reino Unido pode “possuir” terra há mais de 15 mil quilômetros de Londres só porque tem Marinha superior. O colonialismo acabou.

E embora o governo norte-americano não possa intervir diretamente nos tribunais, na atual disputa entre os fundos Elliot Management, Aurelius Capital Managemente e a Argentina, a Casa Branca poderia deixar claro que acha desprezíveis as tentativas dos fundos-abutre de faturar com a crise econômica da Argentina de 2002. Também há a questão prática: se os fundos-abutre forçarem Buenos Aires a pagar o valor total das dívidas, que eles compraram por apenas 15 centavos de dólar, vai ameaçar as tentativas de países como a Grécia, Espanha, Irlanda e Portugal de lidar com seus credores. Dado que os bancos dos Estados Unidos — inclusive os abutres — tiveram papel na criação da crise, é um dever do governo norte-americano ficar ao lado do governo Kirchner nesta questão. Se a Quinta Frota se envolver, talvez devesse bombardear a sede do Elliot Management nas ilhas Caimã.

Depois de séculos de exploração colonial e dominação econômica dos Estados Unidos e Europa, a América Latina finalmente está se tornando independente. Em grande parte evitou os danos da recessão mundial de 2008 e os padrões de vida na região estão melhorando — de forma dramática em países que Washington classifica como “de esquerda”.  Nos dias de hoje os laços da América Latina são mais com os países BRICS — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — que com os Estados Unidos e a região está forjando sua própria agenda internacional. Existe oposição unânime contra o bloqueio a Cuba e, em 2010, o Brasil e a Turquia apresentaram o que é provavelmente a solução mais sensível para acabar com a crise nuclear com o Irã.
Nos próximos quatro anos o governo Obama tem a oportunidade de reescrever s a longa e vergonhosa história dos Estados Unidos na América Latina e substituí-la por outra, baseada em respeito mútuo e cooperação. Ou pode voltar a jogar com as obscuras Forças Especiais, a subversão silenciosa e a intolerância com as diferenças. A escolha é nossa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário