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terça-feira, 19 de junho de 2012

FALANDO DE TEMPOS SOMBRIOS


O texto abaixo faz um tratamento justo de um tema delicado e frequentemente evitado...
Carlos Eugênio 

O exemplo de Carlos Eugênio

Paulo Moreira Leite, em seu blog


derrotados no esforço de impedir a formação da Comissão da Verdade, seus adversários tentam embaralhar os trabalhos de investigação de crimes contra os direitos humanos com a lembrança de mortes cometidas pelas organizações armadas que participavam da resistência ao regime militar.
Já deixei clara, aqui mesmo, minha opinião a respeito. É uma manobra para desviar um trabalho necessário, que envolve a obrigação de apurar responsabilidades de agentes do Estado.
Para começar, são atos diferentes pelo significado político. Num caso, era resistência contra uma ditadura. No outro, foram desvios e abusos de quem tinha a obrigação de cumprir a lei e defender a ordem.
Não custa recordar que a maioria dos atos de violência das organizações de resistência já foi apurada e punida na em seu devido tempo.
São mais de 6 mil processos na Justiça militar. Todos envolveram a resistência. Nenhum envolveu crimes da ditadura.
Mas ainda assim apareceu um personagem novo, que acrescenta um novo elemento à discussão.
É Carlos Eugênio da Paz, professor de música no Rio de Janeiro, que foi um dos últimos comandantes da ALN e participou da execução de Márcio Toledo, antigo militante da organização, e também ajudou na morte de Henning Albert Boilesen, empresário que fez um caixinha entre colegas para patrocinar a tortura. Eugênio fala o que fez, explica-se, argumenta.
A violência da esquerda contra ela própria é um dado antigo da história. Os expurgos de Stalin, que culminaram no assassinato de Leon Trotsky em 1940, implicaram na morte de combatentes heróicos da revolução russa nos anos 30.
Os crimes cometidos pelas organizações armadas durante o regime militar têm outro caráter, contudo. Não foram cometidos pelo Estado, mas por organizações que resistiam à ditadura. Isso faz muita diferença.
Naquele momento, o regime militar executava uma política de extermínio da oposição.
Considerava-se desobrigado a cumprir as leis em vigor. A orientação em 1970, 71 , 72 e 73, era liquidar as organizações, o que incluía seqüestrar, torturar e eliminar seus integrantes.
Em 1974 e 1975, foram liquidados dirigentes e militantes do PCB, que era adversário da luta armada. Em 1976, no massacre da Lapa, foram eliminados dirigentes do PC do B, que já abandonara a perspectiva de luta armada que gerou a guerrilha do Araguaia.
Olavo Hansen, que era trotskista, e condenava a luta armada, também foi morto, em 1970, porque distribuiu panfletos durante um 1º de Maio.
Vivia-se uma situação extrema, fruto da política de repressão da ditadura, que não oferecia saídas decentes para quem chegara vivo até ali.
Os militantes executados foram cidadãos que, sob tortura, tornaram-se colaboradores, auxiliando na localização, captura, tortura e execução de outros militantes.
Para garantir a própria sobrevivência, tornaram-se uma ameaça à sobrevivência dos demais integrantes da organização.
Todo debate sobre isso é um retorno ao ponto de partida, aquilo que a Comissão da Verdade precisa investigar. Os militantes executados foram, eles também, vítimas da máquina de tortura e violência.
Por essa razão recomendo a leitura da reportagem de três páginas de Lucas Ferraz na Ilustrissima de ontem. Ele ouviu parentes das vítimas das organizações de esquerda e também entrevistou militantes que participaram dessas ações e se dispõem a falar. Está tudo lá, para ser conhecido e meditado.
Só posso aplaudir a atitude de Carlos Eugênio da Paz, que não se furta a discutir com clareza o que se fez, e por que.
Carlos Eugênio era um garoto de 16 anos quando ingressou na ALN. Foi sobreviver tocando  violão por alguns trocados, no metrô de Paris, quando concluiu que tudo tinha dado errado.
Mas, como se fosse para honrar o título de comandante que adquiriu após a morte dos dirigentes mais experimentados, não foge das responsabilidades.
Os jornalistas perguntam e ele responde. Faz isso há muito tempo. Ele falou sobre a morte de Toledo, pela primeira vez, num livro de memórias. Ao lado de Expedito Filho, fiz uma entrevista com  Carlos Eugênio, na época. Ele já falava sobre Toledo.
Você pode achar que os guerrilheiros cometeram vários gestos condenáveis.  Também pode considerar que as explicações de Carlos Eugênio são incoerentes e expressam uma visão deformada e condenável da luta política.
Seja como for, a atitude de Carlos Eugênio é um gesto de respeito à memória do país e também a  familiares e parentes do próprio Márcio Toledo. Há uma imensa dignidade na pessoa que assume o que fez e tenta explicar-se. Ela devolve dignidade à vítima. Dialoga, o que apenas seres humanos podem fazer.
Com seu gesto, Carlos Eugênio ajuda a historia a andar para a frente, o que só é possível com o conhecimento, o respeito à verdade.
É um bom exemplo quando se tenta apagar a memória, destruir documentos oficiais e fingir que a sobrevivência da democracia implica no silêncio dos que não ficaram vivos para contar a história.
Com sua atitude, Carlos Eugênio mostra o que se pode fazer numa hora como essa
Também mostra o absurdo da situação.
Já sabemos mais, com mais detalhes, sobre as mortes de Marcio Toledo – e também de Henning Boilesen – do que sobre a morte de Vladimir Herzog, de Rubens Paiva, e tantos outros.
É mais um motivo para não tirar a Comissão da Verdade de seu foco.

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