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segunda-feira, 14 de maio de 2012

LIBERALISMO, DEMOCRACIA E DITADURA DOS MERCADOS


Norberto Bobbio
O filósofo político italiano Norberto Bobbio (1909-2004) dizia que liberalismo e democracia não são conceitos per se interdependentes, como se costuma pensar: um Estado liberal não é necessariamente democrático e um governo democrático não gera, obrigatoriamente, um Estado liberal. Isso porque, ensinava Bobbio, enquanto o ideal fundamental do primeiro é limitar o poder, o do segundo é distribuir o poder. 


Até mesmo o objetivo liberal de um “Estado limitado” tem dois sentidos e duas fases distintas: primeiro, como limitação dos poderes políticos (o Estado de Direito) na luta contra o absolutismo; depois, como redução das funções estatais, principalmente econômicas (o Estado mínimo). Neste último caso, busca-se à renúncia da intervenção do Estado na economia, deixando atuar a “mão invisível” do mercado. É aquilo que Bobbio chama de vertente “liberista” do liberalismo, também conhecido como “neoliberalismo”, cujos papas foram Hayek, Von Mises e Friedman e os executores Margaret Thatcher e Ronald Reagan.


Segundo Bobbio, se foi correta a luta liberal contra o Estado paternalista (seja ele monarquia absolutista, ditadura ou totalitarismo), esta já não o é contra o Estado do bem-estar social (o Welfare State), devido ao fato de que este tipo de Estado – que busca criar empregos e subordinar o capital às necessidades da sociedade – é criação dos governos democráticos e seu desenvolvimento está intimamente relacionado ao desenvolvimento da democracia. O Welfare State foi, ao mesmo tempo, uma resposta ao desafio representado do comunismo e pelo crescimento do movimento operário organizado – socialistas e comunistas – no Ocidente.


Thatcher e Pinochet: eles falavam a mesma língua
Com o colapso do comunismo, contudo, o liberalismo clássico deu lugar ao liberismo, que se concentrou na luta pela economia de mercado e pela liberdade econômica. Com isso, o liberalismo abandonou a doutrina do Estado de Direito para fazer a mera defesa da necessidade do “Estado mínimo”. E, a fim de alcançar este último, o Estado de Direito nem sempre é necessário; veja-se, por exemplo, o apoio dos neoliberais à ditadura de Pinochet no Chile.    


Então, depois de derrotar o Welfare State, com a social-democracia sucumbindo ao canto de sereia neoliberal, os liberistas entraram em choque frontal com a própria democracia. A solução neoliberal para a redução das tensões existentes entre mercado e democracia se dá “cortando as unhas da segunda e deixando o primeiro com todas as garras afiadas”, nas palavras de Bobbio. Chegamos, pois, à era da “ditadura dos mercados”. 


Isso está mais claro hoje na Europa. Na Itália e na Grécia, os “mercados” – leia-se FMI e o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia – impuseram governos “técnicos” para levar adiante pacotes de arrocho fiscal. Oito governos já caíram por causa da crise – tanto “socialistas” como José Luiz Zapatero (Espanha) e José Sócrates (Portugal) quanto conservadores como Nicolas Sarkozy (França). Mas os novos governantes eleitos continuaram insistindo – às vezes até aumentando a dose – na fórmula recessiva de seus antecessores. E agora, na Grécia, os dois grandes partidos que defendem a política de austeridade – Nova Democracia e Pasok – não conseguiram fazer maioria e o país está vivendo um impasse político.


Ninguém foi mais claro do que Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu: “O modelo social europeu está morto e quem tentar reverter a redução dos orçamentos sociais será imediatamente punido pelos mercados. O Pacto Orçamentário Europeu é um enorme avanço, porque graças a ele os Estados perdem um parte de sua soberania nacional”.    


É de se perguntar: para que serve a alternância de poder se não se pode mudar a política econômica? Se “não existe alternativa” ao Consenso de Washington, como martelam os herdeiros de Thatcher/Reagan, para quê se dar ao trabalho de escolher novos dirigentes? Quando os mercados têm sempre razão, a democracia é o empecilho. Nessas circunstâncias, o tal “déficit democrático” diagnosticado nas instâncias políticas da União Europeia hoje se disseminou pelas próprias instituições democráticas europeias.  

Slavoj Zizek: globalização x democracia
Podemos não gostar, mas somos obrigados a pensar na questão colocada pelo pensador Slavoj Zizek: “uma vez que a economia global está fora dos limites das políticas democráticas, qualquer tentativa de aproximá-la da democracia apressará o declínio desta. Então, o que podemos fazer? Engajar-nos no sistema político existente, o qual – conforme disse o próprio Washington Post por meio de sua porta-voz ultra-neoconservadora Anne Applebaum – não pode justamente cumprir essa tarefa”?      

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