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quarta-feira, 2 de maio de 2012

O ESPECTRO QUE RONDA SÃO PAULO


Esse texto do prof. João Quartim de Moraes é uma análise acurada desse "microfascismo cotidiano" que se manifesta nas práticas intolerantes e no espírito inquisitorial do governo tucano de São Paulo, principalmente quando foi dirigido por José Serra, trânsfuga da esquerda que hoje encarna o pior espírito neo-udenista das oligarquias. 

Tabagismo, intolerância, udenismo

João Quartim de Moraes (*)


Que o PV faz muita aliança com a direita,já sabíamos. Que está se tornando um partido de direita é a notícia mais recente.


Não há porém outra conclusão a tirar das declarações de dois de seus vereadores, Ricardo Teixeira e Gilberto Natalini, ao anunciarem no Círculo Militar de São Paulo, dia 8 de março de 2012, apoio a candidatura de Serra para a Prefeitura. "Ele é o único que tem condições de fazer com que o Brasil não fique vermelho", afirmou Teixeira. "Nós vamos influenciar o futuro e impedir com que o PT seja hegemônico no Brasil", acrescentou seu parceiro Natalini. Só faltou repetir Regina Duarte, a Namoradinha da Direita: “-Tenho medo! É por isso que vou votar no Serra”. 

Cada qual se define por aquilo de que tem medo. Se for da violência endêmica suscitada pela miséria e pela criminalidade, da truculência policial, da estupidez mortífera do trânsito, e de outras perversidades sociais semelhantes, é preciso ser inconsciente para não ter medo. Mas estimular medo dos vermelhos é reativar fantasmas sombrios de nosso passado. Não é esse entretanto o único ponto em comum que o vereador Teixeira mantém com a tucanagem em geral e com a tropa do Serra em particular: carrega também o estandarte da cruzada contra a fumaça.
Eles mandariam prender Gilda (Rita Hayworth)
A proibição de fumar em espaços públicos fechados é uma medida justa. Porém, transformar a regulamentação do fumo em cruzada fanática é deturpá-la. A mesquinharia repressiva da Cruzada anti fumo lançada por Serra quando governador levou e continua levando a atos de boçalidade policialesca. Nos aeroportos, os alcaguetes e leões de chácara de plantão passaram a proibir os fumantes de pé na calçada exterior de ficarem embaixo das marquises que cobrem parcialmente a calçada. Mesmo que chova. Não se vê isso em outros Estados brasileiros, nem muito menos na França, ou na Alemanha, países onde a segurança do cidadão é levada muito mais a sério do que nos redutos da tucanagem. Lá, sistematicamente os automóveis param nas faixas de pedestres (com ou sem sinal luminoso), as calçadas não são esburacadas, o índice de mortes por atropelamento é pelo menos dez vezes menor do que no Brasil, os motoristas de ônibus fazem greve por salários e conquistas sociais, mas não pelo direito de continuarem a cometer infrações graves sem pagarem multas, etc. etc.

Não sei se a Regina Duarte tem medo de fanáticos, mas eles são perigosos, sobretudo porque não conhecem limites: já há histéricos que pretendem impor a proibição de fumar em prédios residenciais. É o rumo para o qual aponta o projeto de lei apresentado no início de abril pelo vereador Teixeira à Câmara Municipal de São Paulo, proibindo fumar em parques e praças, sob pena de multa pesada (mais de mil reais, mais de dois mil em caso de reincidência). Ele deve ter ouvido dizer que em Nova Iorque resolveram proibir fumar no Central Park. É o que basta para os deslumbrados com o país do Tio Sam (tio deles, não nosso) querer fazer o mesmo por aqui. Além do mimetismo servil, a perseguição aos fumantes das praças e parques tem objetivo politicamente compensatório. Não conseguindo coibir as agressões mais graves à saúde pública, molestam os fumantes para fazer de conta que estão cuidando do bem estar coletivo. 

Reprimir tabagistas é fácil. Bem mais difícil e trabalhoso é controlar a fumaça dos caminhões, ônibus e automóveis que entopem o chão e a atmosfera da megalópolis. O alegado incômodo de cruzar com um fumante no Ibirapuera é incomparavelmente menos danoso para os pulmões dos atletas do que os monóxidos de carbono que somos obrigados a engolir diuturnamente.
Os pregadores de cruzadas demonizam os alvos de sua sanha para melhor impressionar seus próprios seguidores. O tabagismo agride o pulmão e o sistema cardiovascular, a intolerância agride a liberdade alheia e instaura um clima propício à delação. Qualquer causa, mesmo a mais justa, pode ser manipulada. Durante um século, os estadunidenses amealharam fortunas vendendo cigarros ao mundo inteiro. Estimularam o consumo via Holywood (glamorosos atores e atrizes exibindo-se com um cigarrinho no bico) e intensa publicidade mediática. Quando resolveram mudar, seguiram os mesmos critérios ultra puritanos que tinham inspirado, nas primeiras décadas do século XX, a adoção da lei seca, cujo principal efeito foi criar mercado cativo para os gangsters que controlavam o comércio etílico clandestino.

A esperteza da manobra dos serras e teixeiras está no efeito arrastão que exercem sobre os corpos legislativos. Ninguém quer passar por desleixado com a saúde pública perante a “maioria silenciosa”. Por isso, mesmo os que percebem a intolerância da cruzada em curso, evitam contrariá-la, deixando prosperar a hipocrisia, o moralismo barato, o reacionarismo e o culto ao paradigma estadunidense.

Sejamos ou não fumantes, é tempo de dizer basta ao udenismo.
(*) Professor universitário, pesquisador do marxismo e analista político.

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