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terça-feira, 1 de maio de 2012

ENTRE MUITOS


Sou quem sou.
Inconcebível acaso
como todos os acasos.

Fossem outros 
os meus antepassados
e de outro ninho 
eu voaria
ou de sob outro tronco 
coberta de escamas eu rastejaria.

No guarda-roupa da natureza
há  trajes de sobra
O traje da aranha, da gaivota, do rato do campo.
Cada um cai como uma luva
e  é usado 
até se gastar. 

Eu também não tive escolha
mas não me queixo.
Poderia ter sido alguém
muito menos individual. 
Alguém do formigueiro, do cardume, zunindo no enxame,
uma fatia de paisagem fustigada pelo vento.

Alguém muito menos feliz,
criado para uso da pele,
para a mesa da festa,
algo que nada debaixo da lente.

Uma árvore presa à terra
da qual se aproxima o fogo.

Uma palha esmagada 
pela marcha de inconcebíveis eventos.

Um sujeito com uma negra sina
Que para os outros se ilumina.

E se eu despertasse nas pessoas só medo,
ou só aversão,
ou só pena? 

Se eu não tivesse nascido 
na tribo adequada
e diante de mim se fechassem os caminhos?

A sorte até agora
me tem sido favorável.

Poderia não me ser dada 
a lembrança dos bons momentos. 

Poderia me ser tirada 
a propensão para comparações. 

Poderia ser eu mesma – mas sem o espanto,
e isso significaria
alguém totalmente diferente.

Wislawa Szymborska (1923-2012), poetisa polonesa 

                                                   

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