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segunda-feira, 12 de março de 2012

O ESTADO-NAÇÃO MORREU; VIVA O ESTADO-NAÇÃO!

Dois textos importantes, extraídos do site Carta Maior, discutem a questão do papel do Estado-nacional no mundo pós-neoliberal, de certa forma ecoando o texto do prof. José Luis Fiori sobre "desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo". Nada mau para quem achava a globalização tinha colocado o Estado-nação na lata de lixo da História...    

Desenvolvimentismo, Estado-Nação e o resgate da política

Saul Leblon


Esta semana o governo deve anunciar uma série de medidas destinadas a proteger e impulsionar a indústria brasileira, cuja participação no PIB definha: caiu de 16,5% para algo como 14,3% entre 2010 e 2011; no final dos anos 90 essa fatia correspondia a 30% do PIB.

As causas desse declínio são objeto de debate entre correntes distintas do pensamento econômico. Grosso modo, neoliberais apontam o 'custo Brasil' como origem da falta de competitividade do manufaturado brasileiro. Para superar o estrangulamento industrial seria necessário, prioritariamente, segundo os expoentes desse credo, melhorar a infraestrutura do país, reduzir impostos (leia-se cortar gastos públicos e recuar o papel do Estado na economia), bem como promover uma reforma trabalhista para cortar direitos e despesas da folha. O conjunto seria arrematado com uma queda dos juros (de novo, só possível, de acordo com essa visão, se o setor público reduzir a participação no mercado financeiro como tomador).


A escola de pensamento heterodoxa, a exemplo da esquerda, concorda que a infraestrutura do país precisa ser fortalecida e prescreve pesados investimentos públicos nessa direção, a exemplo do que se faz parcialmente com o PAC. Mas diverge que seja esse o ponto de urgência imediata. O torniquete a desatar imediatamente, no seu entender, seria a combinação perversa de desequilíbrio cambial e monetário (leia-se a endogamia entre juros altos e câmbio valorizado) que transformou o país num grande ralo do excesso de liquidez mundial. Essa drenagem indigesta desequilibra o câmbio e sufoca a indústria em duas frentes: pela concorrência devastadora dos bens importados e, simultaneamente, pela anemia exportadora da cadeia de manufaturados.

Em apenas seis anos, a balança comercial de manufaturados saiu de um superávit de US$ 5 bi, em 2006, para um déficit de US$ 92 bi em 2011.


O quadro tende a se agravar. O 'tsunami de liquidez', denunciado pela presidenta Dilma Rousseff, forma por enquanto apenas as suas primeiras marolas nas praias tropicais. Teme-se que a 'solução' do impasse grego encoraje bancos e especuladores em geral a sacarem, a partir de agora e em ritmo crescente, a chuva de dinheiro barato que receberam das autoridades monetárias de seus países. Por enquanto, esse oceano da ordem de cinco trilhões de euros empoçado na zona do euro, por exemplo, está guardado nos diques do próprio BCE. Ao ser liberado, formará um jorro devastador em busca de operações lucrativas nos mercados ditos emergentes.

O debate sobre o que fazer guarda aparência técnica e não raro é tratado de forma tecnocrática, à direita mas também por setores da própria esquerda. Na realidade, porém, sua essência é visceralmente política.

Los fusilamientos del 3 de mayo - Goya 
A grande interrogação é saber se os Estados nacionais, amarrotados e jogados no fundo da gaveta da história pelo vagalhão neoliberal das últimas décadas, têm sobrevida e nervura política para liderar a resistência ao imperialismo monetário emitido das burras dos mercados ricos, em benefício de seus bancos, do seu mercado de trabalho, dos fundos especulativos e  corporações.

A dúvida remete a um subtexto de debate que de alguma forma já se trava na academia: existe desenvolvimentismo possível no mundo pós-neoliberal?

Um texto provocativo de autoria do professor José Luís Fiori sugere que não. Mas mereceu reparos no blog do economista Fernando Nogueira da Costa, professor da Unicamp, vice presidente da Caixa Economica Federal no governo Lula (2003-2007). As observações de Nogueira da Costa levantam questões interessantes para um debate necessário e oportuno. Outro contraponto provocativo vem do economista norte-americano Dani Rodrik [leia abaixo] que, em artigo publicado no site Syndicate, defendeu a urgência de se retomar a agenda do Estado-nação como única alternativa concreta à desordem gerada pela crise neoliberal.

Viável ou não, a retomada da agenda desenvolvimentista e o resgate do Estado-nação refletem uma tarefa incontornável, em relação à qual boa parte do pensamento progressista não alimenta dúvidas: é preciso repor a supremacia da política e da democracia sobre a hegemonia dos mercados e das finanças desreguladas.

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La Liberté guidante le peuple - Delacroix
O renascer do Estado-Nação

Dani Rodrik (*)

Um dos mitos basilares da nossa era é o de que a globalização condenou o Estado-nação à irrelevância. Ouvimos dizer que a revolução nos transportes e comunicações fez desaparecer fronteiras e encolheu o mundo. Os novos modos de governança que vão das redes transnacionais de reguladores até às organizações internacionais da sociedade civil e às instituições multilaterais transcendem e suplantam os legisladores nacionais. Diz-se que os responsáveis políticos internos se sentem bastante impotentes perante os mercados globais.

A crise financeira mundial abalou este mito. Quem socorreu os bancos, injetou liquidez, promoveu incentivos fiscais e estabeleceu as redes de segurança para os desempregados, para impedir uma catástrofe crescente? Quem está reescrevendo as regras de fiscalização e a regulamentação do mercado financeiro para evitar outro incidente? Quem recebe a maior parte da culpa por tudo o que corre mal? A resposta é sempre a mesma: os Estados nacionais. O G-20, o Fundo Monetário Internacional e o Comitê de Basileia de Supervisão Bancária têm sido, em grande parte, elementos marginais.

Mesmo na Europa, onde as instituições regionais são relativamente fortes, o interesse nacional e os políticos nacionais, em grande parte, na pessoa da chanceler alemã, Angela Merkel, têm dominado a definição de políticas. Se a chanceler Merkel tivesse se mostrado menos apaixonada pela austeridade para os países endividados da Europa e se tivesse conseguido convencer os seus eleitores da necessidade de uma abordagem diferente, a crise da zona do euro teria tido contornos bastante diferentes.

No entanto, mesmo com a sobrevivência do Estado-nação, a sua reputação está ruindo. O assalto intelectual ao Estado-nação assume duas formas. Na primeira, há a crítica de economistas que consideram que os governos são um impedimento à livre circulação de mercadorias, capitais e pessoas por todo o mundo. Impeça-se a intervenção dos responsáveis políticos nacionais com os seus regulamentos e barreiras, dizem eles, e os mercados globais cuidarão de si próprios no processo de criação de uma economia mundial mais integrada e eficiente.

Mas quem vai ditar as regras e a regulamentação do mercado, se não os Estados-nação? O laissez-faire é receita para mais crises financeiras e para um maior retrocesso político. Além disso, seria necessário confiar a política económica a tecnocratas internacionais, isolados como estão dos incentivos e desincentivos da política – uma posição que circunscreve seriamente a democracia e responsabilidade política.

Em suma, o laissez-faire e a tecnocracia internacional não fornecem uma alternativa plausível ao Estado-nação. Na verdade, a erosão do Estado-nação, em última análise, é pouco benéfica para os mercados globais enquanto não existirem mecanismos viáveis de governança global.

Na segunda forma existem especialistas em ética cosmopolita que condenam a artificialidade das fronteiras nacionais. Como afirmou o filósofo Peter Singer, a revolução das comunicações gerou uma "audiência global" que cria a base para uma "ética global". Se nos identificamos com a nação, a nossa moral permanecerá nacional. Mas, se cada vez mais nos associarmos ao mundo em geral, as nossas lealdades irão igualmente se expandir. Da mesma forma, o Nobel da Economia Amartya Sen fala das nossas "múltiplas identidades" – étnicas, religiosas, nacionais, locais, profissionais e políticas -, muitas das quais atravessam fronteiras nacionais.

Não está claro que uma parte disto tenha por base um otimismo exacerbado e que outra parte seja baseada em mudanças reais de identidades e ligações. As pesquisas mostram evidências de que a ligação ao Estado-nação continua a ser bastante forte.

Há alguns anos, a associação World Values Survey inquiriu os entrevistados em dezenas de países sobre a sua ligação às comunidades locais, às nações e ao mundo em geral. Não é de admirar que aqueles que se viam a si mesmos como cidadãos nacionais ultrapassavam em muito aqueles que se consideravam cidadãos do mundo. Mas, surpreendentemente, a identidade nacional ensombrava até a identidade local nos Estados Unidos, Europa, Índia, China e na maioria das outras regiões.

As mesmas pesquisas indicam que as pessoas mais jovens, as que têm qualificações mais elevadas, as que se identificam a si mesmas como classe superior, têm mais tendência a associar-se com o mundo. No entanto, é difícil identificar qualquer segmento demográfico cuja ligação à comunidade global supere a ligação ao país. Por muito grande que tenha sido o decréscimo nos custos das comunicações e transportes, não apagou a geografia. A atividade econômica, social e política continua a se agrupar com base em preferências, necessidades e trajetórias históricas que variam em redor do mundo.

A distância geográfica é um determinante de intercâmbio econômico tão forte como era há 50 anos. Afinal, nem mesmo a Internet é tão desprovida de fronteiras quanto parece: um estudo descobriu que os americanos têm muito mais tendência a visitar sites de países que estão fisicamente próximos do que de países que estão longe, mesmo após as medidas de controle de linguagem, rendimentos e muitos outros fatores.

O problema é que ainda estamos sob o domínio do mito do declínio do Estado-nação. Os líderes políticos alegam impotência, os intelectuais sonham com esquemas implausíveis de governança global e os perdedores culpam cada vez mais os imigrantes ou as importações. Quando se fala sobre a reabilitação do Estado-nação, as pessoas respeitáveis correm a esconder-se, como se estivéssemos a propor reavivar a peste.

Para ser mais preciso, a geografia de ligações e identidades não é fixa; na verdade, tem mudado ao longo da história. Isso significa que não devemos descartar totalmente a possibilidade de que uma verdadeira consciência global se venha a desenvolver no futuro, em conjunto com comunidades políticas transnacionais.

Mas os desafios atuais não podem encontrar respostas em instituições que (ainda) não existem. Por enquanto as pessoas ainda têm de procurar soluções nos seus governos nacionais, que permanecem a melhor esperança para a ação colectiva. O Estado-nação pode ser uma relíquia que nos foi legada pela Revolução Francesa, mas é tudo o que temos.

(*) Professor de Economia Política Internacional na Universidade de Harvard, autor de "The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy".


Aroeira (1967), Geraldo Vandré



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