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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A DEMOCRACIA PRECISA CHEGAR AO JUDICIÁRIO

"O poder é opaco, e sua opacidade é a negação da democracia”


Norberto Bobbio, A Era dos Direitos

O ministro Ricardo Lewandowski
Finalmente o Judiciário brasileiro está sob escrutínio. Tudo por causa do conflito do STF com os movimentos recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão que, supostamente, deveria controlar os atos do Poder Judiciário. Na terça-feira 20, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, concedeu liminar suspendendo as investigações da corregedoria do CNJ – investigações que envolviam mais de 216 mil magistrados e servidores do Judiciário sob suspeita de terem recebido provimentos indevidos. Entres os investigados estaria o próprio Lewandowski, quando estava no Tribunal de Justiça de São Paulo. No mesmo dia, uma outra liminar, esta do ministro Marco Aurélio Mello, também do STF, já esvaziara os poderes de investigação e de correição do CNJ. A liminar proibiu a entidade de instaurar, por conta própria, investigação contra magistrados suspeitos, devendo esperar o pronunciamento das corregedorias estaduais. Isso sem contar que a Associação dos Magistrados Brasileiros já havia obtido liminar limitando os poderes da ANJ.

A corregedora Eliana Calmon: "bandidos de toga"
A crise, na verdade, eclodiu em setembro, quando a corregedora do CNJ, Eliana Calmon, criticou numa entrevista a impunidade da magistratura, que estaria “com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga". A declaração provocou uma dura reação do presidente da entidade e do STF, ministro Cézar Peluso, que exigiu a publicação de uma nota oficial de repúdio contra as declarações.

Dos Três Poderes da República, o Judiciário é o mais fechado e o mais refratário à transparência. Os magistrados alegam que sua independência e autonomia é a garantia do Estado Democrático de Direito. Enquanto o Legislativo e o Executivo estão o tempo todo sob a luz de holofotes, questionados e fiscalizados, Judiciário se arvora em poder intocável, resistindo com todas as suas forças à ideia de controle externo.

O advogado Heráclito Sobral Pinto
O fato de o Poder Judiciário ter sofrido sob duas ditaduras e, em muitos casos, se transformado em baluarte contra as arbitrariedades desses regimes de exceção – o Estado Novo (1937-1945) e a ditadura militar (1964-1985) – não deveria ser argumento para justificar privilégios e defender um status quase medieval de instituição imune ao escrutínio público. Imagino que Sobral Pinto e Raymundo Faoro não compactuariam com esse esprit de corps dos nossos atuais magistrados.   

Os argumentos esgrimidos pelo Judiciário brasileiro para rejeitar a ideia de controle externo não se sustentam. Eles dizem estar escorados nas teorias dos clássicos do liberalismo sobre a separação dos poderes, como John Locke, Montesquieu e os Federalistas norte-americanos.

Eles não devem ter lido esses autores – ou se os leram, não os entenderam. John Locke, por exemplo, não considera o Judiciário um poder autônomo; para ele, ao contrário, o Legislativo é o principal poder, mas tanto este quanto o Executivo são subordinados ao consentimento popular. (Aqui no Brasil, vale lembrar, os magistrados não são eleitos).

O barão de Montesquieu
A noção de separação de poderes elaborada pelo francês barão de Montesquieu em L’Esprit des Lois (O Espírito das Leis) serve, antes de mais nada, ao propósito de garantir a liberdade dos indivíduos contra os abusos do poder (“é preciso que, pela disposição das coisas, o poder contenha o poder”). “Dos três poderes, o de julgar é, de certo modo, nulo. Restam apenas dois (Legislativo e Executivo)”, diz Montesquieu. Para o pensador iluminista, o poder de julgar não deveria ser permanente, nem exercido por profissionais, mas sim por pessoas do povo. E o Legislativo deveria ser dividido em dois, uma parte confiada aos nobres (o Senado) e outra ao povo (a Câmara). Essas duas partes do Legislativo, junto com o Executivo, são a constituição ideal de governo, pois cada parte do Legislativo deve controlar a outra por meio da capacidade de veto. O Executivo limita a ambas e, por sua vez, é limitado pelo Legislativo. A separação de poderes, então, que não inclui o Judiciário, é um mecanismo de controle mútuo, não de fortalecimento da autonomia de um deles.

Os Federalistas, Madison particularmente, repetem Montesquieu ao afirmar que a concentração de poderes nas mãos de uma pessoa ou grupo – ou de um partido, poderíamos acrescentar – constitui uma tirania. E também apontam a necessidade de separação de poderes como requisito para a preservação da liberdade dos cidadãos.

Assim, de acordo com os clássicos, o Legislativo pode e deve exercer o controle sobre o Judiciário, a exemplo do que já acontece em relação ao Executivo. E o filósofo do Direito Norberto Bobbio, discípulo de Hans Kelsen, lembra que “a democracia nasceu com a perspectiva de eliminar para sempre das sociedades humanas o poder invisível e de dar vida a um governo cujas ações deveriam ser desenvolvidas publicamente”.

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