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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

CONTRA O FEBEAPÁ MONETARISTA


Colossus, Goya

Delfim Neto é um personagem polêmico: “czar” da economia de dois governos da ditadura militar (Costa e Silva e Figueiredo), ele defendeu o AI-5 e nunca mostrou arrependimento por isso. Mas sempre foi um economista “desenvolvimentista”, que se contrapunha ao monetarismo entreguista de Bulhões e Roberto Campos. Hoje, aos 83 anos, tornou-se um dos mais argutos analistas da economia brasileira. O artigo abaixo, publicado na Folha de S. Paulo, é um demolidor "chega pra lá" no festival de besteiras monetaristas que assolou o país depois que o BC cortou a taxa Selic em 0,5 ponto percentual.


Duplo espanto

Antônio Delfim Neto

"Fomos surpreendidos semana passada por dois fatos: 1º) a redução da taxa Selic de 12,50% para 12% ao ano, promovida pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central e 2º) a reação hidrofóbica de analistas do mercado financeiro que se pensam portadores da 'verdadeira' ciência monetária. Para estes, o Copom teria violado não só as recomendações da tal 'ciência', como teria comprometido, irremediavelmente, a credibilidade do Banco Central.

Qual a razão da crítica fumegante? Segundo seus autores, a decisão "foi claramente política" e desrespeitou os cânones da 'ciência' que supõem praticar.


O Copom teria trocado sua 'autonomia operacional' pelas graças do governo... Para alguns, reforçou-se, assim, a necessidade de reconhecer que essa 'autonomia' é insuficiente: o BC precisa mesmo, é ser 'independente' do poder incumbente que ignora a ciência e é corrupto por definição!


O poder eleito por 60 milhões de votos deve entregar a condução da política monetária a meia dúzia de sacerdotes não eleitos, com mandatos irrevogáveis que supostamente conhecem e professam a religião da salvação monetária!


Tais críticas têm duas fraquezas: 1º) a tal "ciência monetária" não existe. A política monetária deve ser uma combinação de sólidos conhecimentos da situação conjuntural e de como reagem os agentes econômicos (trabalhadores e empresários) ante as manobras da taxa de juros real.


Ela é uma "arte" que comporta visões alternativas diante das incertezas do futuro. Como os efeitos monetários se fazem sentir ao longo do tempo, só este é capaz de dizer 'a posteriori' se a perspectiva escolhida foi certa ou errada.


Estando o mundo caindo aos pedaços, é muito provável que a adotada pelo Copom possa materializar-se. Seria ridículo repetir o que os mesmos analistas recomendaram em 2008: 'esperar para ver' e 2º) a acusação que 'o BC rendeu-se ao governo' é irresponsável, injusta e arrogante.


Irresponsável, porque colhida furtivamente de 'fontes preservadas' e que talvez seja apenas imaginação conveniente, desmentida, aliás, pela existência de votos divergentes. Injusta, porque pela primeira vez em duas décadas o Banco Central é, efetivamente, um órgão de Estado, com menor influência do setor financeiro privado. E arrogante, porque supõe que nenhuma visão e interpretação da realidade que não seja a sua possa ser adequada.


É hora de saudar a 'estatização' do BC e a sua decisão.


Se ela continuar, como tudo indica, apoiada pela política fiscal de longo prazo do governo Dilma, teremos iniciado a resolução do maior enigma brasileiro: a normalização da teratológica taxa de juros real que nos acompanha.
(publicado na Folha de S. Paulo em 7/9/2011)

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