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quarta-feira, 20 de julho de 2011

JORNALISMO NO BANCO DOS RÉUS

Rupert Murdoch faz contrição na Câmara dos Comuns
O escândalo Murdoch talvez seja o caso mais grave de manipulação de grandes conglomerados de mídia. Mas essas práticas espúrias do jornalismo não foram criação do magnata; elas existem desde que os jornais eram feitos em linotipos e vendidos nas ruas por moleques que gritavam as manchetes. O problema é que esses escândalos respingam na própria reputação do jornalismo investigativo, tido como “o verdadeiro jornalismo”. Como escreveu o articulista Alexander Lebedev, no Guardian de hoje: suponha que, em vez de usar táticas sujas contra uma adolescente de 13 anos seqüestrada, ou famílias de soldados mortos no Afeganistão, os jornalistas de Murdoch estivessem fazendo isso contra corruptos e poderosos como Madoff ou Gadaffi? “O jornalismo investigativo está se tornando uma espécie em extinção”, diz Lebedev. “Os ricos e poderosos são sempre protegidos por inúmeros advogados e leis de privacidade. Depois dessas lições sobre jornalismo ilegal e obscuro, quem se arriscará a praticar o jornalismo investigativo apropriado? Vamos agora permitir que apenas os mercados e as mídias sociais façam esse trabalho? [...] Não vamos esquecer o outro lado da moeda. E, antes de jogar toda a culpa em Murdoch, vamos produzir dezenas de concorrentes de Murdoch que iluminem cantos escuros [...]”.

Curiosamente, num dia como hoje (20 de julho), só que de 1914, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, começava o julgamento de Henriette Caillaux, que assassinara a tiros o editor do Le Figaro, Gaston Calmette. Ela era mulher de Joseph Caillaux, líder político radical que tinha sido primeiro-ministro e ministro das Finanças da França. Sintomaticamente, o público francês estava mais preocupado com esse affaire, que tinha pitadas de corrupção, sexo e fofocas, do que com a grande tensão internacional provocada pelo assassinato do herdeiro do trono austro-húngaro, o arquiduque Francisco Ferdinando, em 28 de junho em Sarajevo (Sérvia), que desembocaria na Grande Guerra pouco depois.



Henriette Caillaux
Como o socialista Jean Jaurès, Joseph Caillaux era pacifista e isso lhe valeu o ódio da direita nacionalista e clerical, que o acusava, em 1911, de ser “leniente” com a Alemanha. Ele foi obrigado a renunciar ao cargo de primeiro-ministro em 1912. Raymond Poincaré, eleito presidente da República em 1913, defendia uma legislação para estender o pagamento de impostos para financiar as Forças Armadas – medida que Caillaux, ministro das Finanças, apoiava em público, mas boicotava nos bastidores. Gaston Calmette, o mais poderoso jornalista da França e editor do Le Figaro, porta-voz da direita, ameaçava publicar documentos que provariam que Caillaux obstruíra a Justiça que investigava num escândalo financeiro em que ele estaria envolvido. O editor também dizia que publicaria cartas de amor trocadas entre Caillaux e Henriette quando ele ainda estava casado com sua primeira esposa.

Gaston Calmette
Quando Calmette fez menção de publicar a intercepção de comunicações telegráficas que demonstrariam a simpatia de Caillaux pela Alemanha, este apelou para o presidente Poincaré, ameaçando tornar públicos telegramas que revelavam negociações secretas de Poincaré com a Santa Sé. Diante da ameaça, o presidente negou oficialmente a existência dos telegramas germânicos. Calmette, entretanto, mantinha a ameaça publicar as cartas de amor de Caillaux a Henriette. Isso era inédito numa época em que os jornais respeitavam a vida privada – por mais picante que fosse – dos figurões da sociedade. Calmette foi assassinado na redação com seis no dia 16 de julho de 1914.   

Joseph Caillaux
Apenas uma semana depois de iniciado, o júri chegou a um veredicto sobre Henriette Caillaux: inocente. A alegação era que se tratava de um crime passional. Numa época em que o feminismo apenas engatinhava, nem mesmo os socialistas e republicanos tiham coragem de levantar bandeiras em defesa da mulher. Paradoxalmente, no entanto, foi esse machismo acabou beneficiando Henriette Caillaux: seu advogado, Fernand Labori, convenceu o júri de que o crime de Henriette não fora um ato premeditado, mas um crime passional, resultado de “incontroláveis emoções femininas”. Como na época era amplamente aceito a ideia de que as mulheres não eram tão fortes emocionalmente quanto os homens, madame Caillaux foi absolvida. A Grande Guerra que se seguiu encobriu o caso Henriette Caillaux. E seria outra mulher, a bailarina-espiã Mata Hari, faria ressuscitar, em pleno conflito, o gosto da imprensa por fofocas e celebridades.

Prisioneiros famosos de Saint-Lazare: Henriette Caillaux



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