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sexta-feira, 24 de junho de 2011

FRANKFURTIANAS I

Uma profunda reflexão sobre a Escola de Frankfurt e o fenômeno das massas pelo professor Renato Ortiz, sociólogo e antropólogo da Unicamp:



Gustave Le Bon

O conceito de massa não é inventado pela Escola, ele vem marcado por uma herança em relação à qual muitas vezes os autores têm dificuldade de se diferenciar. Existe toda uma literatura que procura associar o advento da sociedade de massas ao tema da decadência. Gustave Le Bon (1913) e Ortega y Gasset são seus representantes mais expressivos. Le Bon foi talvez um dos primeiros a abordar o problema. Ele via na multidão moderna uma massa indiferenciada de pessoas na qual a vontade individual estaria completamente anulada diante do comportamento coletivo, o qual teria sua origem simplesmente no fato das pessoas estarem aglomeradas em um determinado espaço físico A multidão possuiria por assim dizer uma ‘alma coletiva’ na qual o heterogêneo se diluiria no homogêneo, fazendo com que todos agissem da mesma maneira. Le Bon associava ainda a multidão ao perigo de sublevação contra a ordem vigente e a vinculava à contestação do movimento operário do final do século. As massas seriam amorfas, elas não possuiriam vontade própria e necessitavam de ser conduzidas por um líder carismático. O livro de Le Bon, fiel a uma perspectiva cíclica da história termina de maneira apocalíptica: ‘A plebe reina e os bárbaros avançam. A civilização pode ainda parecer brilhante desde que ela conserve a fachada exterior criada por um longo passado, mas ela é na realidade um edifício verminoso que nada sustenta e que se destruirá com a primeira tempestade. Passar da barbárie à civilização em busca de um sonho, depois declinar e morrer desde que este sonho perca sua força, este é o ciclo da vida de um povo’ (Le Bon, 1913, p. 180).

Seria descabível dizer que o conceito utilizado pela Escola é o mesmo de Le Bon. Adorno e Horkheimer, quando contra-argumentam com o autor, apontam para o fato de ele muitas vezes esconder posições ideológicas de caráter nitidamente conservador em relação à classe operária. Eles também rejeitam a afirmação que a multidão se definiria por uma ‘alma coletiva’ que se constituísse numa espécie de segunda natureza do homem. Com relação a esse ponto os frankfurtianos opõem Freud a Le Bon, e mostram que o comportamento do homem na massa se origina não do fato deles estarem reunidos, mas só pode ser compreendido quando se toma a formação do ego dos indivíduos que compõem a multidão. Não obstante existem pontos em comum que serão retomados pela crítica frankfurtiana. O primeiro, não diz diretamente respeito ao nosso estudo sobre a cultura, mas é importante sublinhá-lo. A análise que Le Bon faz da sugestibilidade das massas e sua manipulação pelos líderes carismáticos encontra um paralelo nos estudos sobre o nazismo. O segundo, que associa a noção de massa à dissolução do heterogêneo no homogêneo, e o advento da sociedade de massas à barbárie, terão a meu ver uma influência importante nos autores da Escola. Para compreendê-los creio, no entanto, que deveríamos nos voltar para os escritos de Ortega y Gasset.

Ortega y Gasset, autor de "A Rebelião das Massas"

Quando Gasset publica na década de 30 seu livro sobre A Rebelião das Massas, ele amplia a definição proposta por Le Bon. Ao considerar a massa um fator psicológico, e não mais coletivo, ele passa da noção de multidão para a de homem médio. As mesmas características anteriores – mediocridade, falta de vontade própria, uniformidade – podem agora ser encontradas não mais nos aglomerados públicos, que para Le Bon eram fundamentais para se criar um clima de sugestão massiva. Vivendo no seu isolamento o homem massa reproduziria as qualidades negativas que fariam parte do próprio ser individual. A crítica de Gasset, como a anterior, possui um conteúdo político claro, e ao colocar o homem médio como produto histórico da democracia e do liberalismo, ele se contrapõe ao processo de democratização na sociedade liberal. Ela se apoia ainda na diferença entre uma minoria culta e uma maioria inculta. Reagindo contra a audácia desta maioria em se rebelar contra a sua própria natureza, o de ser comandada, daí o título de seu livro, Gasset dirá: ‘o característico do momento é que a alma vulgar tem o despropósito de afirmar o direito da vulgaridade e a impõe aonde quer’. O homem massa se caracterizaria portanto por sua vulgaridade e pela sua medianidade que uniformizaria as diferenças culturais na homogeneidade da massa; por isso o autor dirá que ele odeia o que não é ele mesmo. O diagnóstico elaborado é claro: ‘hoje o homem médio tem as idéias atualizadas sobretudo do que acontece e deve acontecer no universo. Por isso perdeu a capacidade de audição. Para que ouvir se já possui dentro dele o que faz falta? Já não há mais razão para escutar, mas ao contrário, de julgar, de sentenciar, de decidir’ (Ortega y Gasset). Novamente vamos encontrar o tema do retrocesso cultural que Le Bon tinha anunciado; a civilização atual seria a manifestação do espírito da barbárie e da decadência".

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