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terça-feira, 22 de março de 2011

DO ASSALTO AOS CÉUS À DESCIDA AOS INFERNOS

Há exatos 140 anos, em março de 1871, nascia a Comuna de Paris, primeira experiência de um governo revolucionário dos trabalhadores da História. A comuna foi fruto direto da pusilanimidade da burguesia francesa na defesa do país frente às tropas prussianas durante a Guerra Franco-Prussiana. O imperador francês Napoleão III havia iniciado a guerra para impedir o processo de unificação alemã liderado pelo chanceler prussiano Otto von Bismarck. Em setembro de 1870, as tropas francesas foram fragorosamente derrotadas em Sedan. O imperador francês foi feito prisioneiro pelos prussianos, que exigiram pesadas indenizações, bem como a cessão da região mineradora da Alsácia-Lorena e uma marcha triunfal pelos Champs-Elysées.


O imperador Napoleão III
A queda de Napoleão III resultou na formação da III República Francesa com um governo provisório de defesa nacional. As exigências de Bismarck enraiveceram os franceses e dezenas de milhares engrossaram as fileiras da Guarda Nacional, a mílicia dos cidadãos armados. O Exército prussiano sitiou Paris durante quatro meses. Além da fome, o cerco provocou um racha nos republicanos - os moderados queriam se render aos prussianos enquanto que os revolucionários exigiam lutar até o fim. Em janeiro de 1871, um armistício suspendeu as operações militares. A burguesia francesa sofreu a humilhação de ver o rei prussiano Wilhelm I ser coroado imperador do II Reich - a Alemanha unificada - no salão dos espelhos do Palácio de Versalhes. Em fevereiro de 1871, a Assembléia Nacional da França elegeu Louis Adolphe Thiers presidente da República. A ele coube o papel de verdugo dos revolucionários parisienses.

Adolphe Thiers
Depois de ter dissolvido o Exército francês, Thiers tentou desmilitarizar a Guarda Nacional. Seus integrantes, contudo, resistiram a entregar os canhões e atacaram o Hôtel de Ville, sede do governo provisório, levando seus membros a fugir para Versalhes. Quando as tropas de Thiers foram enfrentadas pelos féderés da Guarda Nacional - misturados com as mulheres e crianças do bairro operário -, elas depuseram as armas e se uniram aos revoltosos.


Monumentos que representam a velha ordem vêm abaixo
"Apesar de todas as melhorias urbanas realizadas pelo barão de Hausemann nas décadas anteriores - os bulevares à prova de barreiras, a dispersão dos bairros operários, as ruas retas para facilitar o movimento das tropas -, Paris ainda era a cidade da revolução. As barricadas foram erguidas, as tropas remanescentes do governo voltaram para Versalhes", escreve o historador Tristam Hunt. "Um novo conselho municipal foi anunciado, com o título de 'Comuna de Paris' evocando conscientemente a Comuna de 1792". "Que resiliência, que iniciativa histórica, que capacidade de sacrifício desses parisienses", escreveria Karl Marx.     

Influenciada pelas idéias socialistas e anarquistas, a Comuna de Paris tomou uma série de medidas no sentido de criar uma república democrática e igualitária. A "Declaração ao Povo Francês" pedia liberdade de consciência, direito de envolvimento permanente dos cidadãos em questões comunais, o dever dos funcionários públicos e magistrados de prestar contas, a substituição da polícia e do Exército pela Guarda Nacional, redução da jornada de trabalho, abolição do trabalho noturno, concessão de pensão a viúvas e órfãos, substituição dos ministérios por comissões eletivas e a separação entre a Igreja e o Estado. Com essas medidas, os communards reinventavam a democracia direta. 

Enquanto a revolução entusiasmava Paris, Thiers negociava com a Prússia, em Versalhes, uma aliança para derrotar o governo da Comuna. Em troca de concessões da França, Bismarck libertou prisioneiros de guerra franceses para que pudessem ajudar no cerco à cidade. Assim, em 21 de maio de 1871, mais de 120 mil soldados atacaram Paris. Seguiu-se a semaine sanglante, quando milhares de communards foram massacrados pelas forças do governo. "As armas que são carregadas pela culatra não matavam mais com a rapidez necessária; os vencidos eram fuzilados pelo fogo mitrailleuse", escreveu Friedrich Engels. A Comuna foi esmagada e entre 60 mil e 80 mil communards morreram. "O Muro dos Féderés do cemitério Père Lachaise, onde foi consumado o assassinato em massa final, ainda está de pé até hoje, um testemunho mudo, mas eloquente, da loucura que a classe dominante é capaz assim que a classe operária ousa se levantar para lutar por seus direitos", escreveram Marx e Engels. 
 
Communards fuzilados em Paris

O "assalto ao céu" descrito por Marx acabaria com a descida ao inferno dos massacres. Lasciate ogni speranza, voi ch' intrate (Deixai aqui toda a esperança, vós que entrastes), escreveu Dante Alighieri no Canto III do Inferno. A generosa utopia da Comuna de Paris, gravada a ferro e fogo nos corações de várias gerações de socialistas, jamais se realizaria. Ficou o exemplo de luta e determinação.


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