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quinta-feira, 24 de março de 2011

CONTRA A CORRENTE

“A Justiça exagerada é extremamente injusta”

Marco Túlio Cícero, estadista e orador romano



Numa sessão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu um exemplo de independência e de respeito à Constituição ao decidir, pelo placar apertado de 6x5, que a Lei da Ficha Limpa (LC n° 135/2010) só poderá vigorar nas eleições de 2012. O argumento é que ela foi sancionada em 2010 e o Artigo 16º da Constituição Federal diz explicitamente: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

Ministro Cezar Peluso: contra o "clamor popular"
O voto decisivo foi dado pelo recém-empossado ministro Luiz Fux. A melhor declaração de voto, contudo, ficou com o presidente da Casa, ministro Cezar Peluso: “o tribunal que atende aos anseios do povo, ao arrepio da Constituição, não é um tribunal no qual o povo pode confiar”. Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) rendeu-se à demagogia do “clamor popular”: segundo o presidente do Conselho Federal da Ordem, Ophir Cavalcanti, “a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida com o voto do ministro Luiz Fux [..] frustra a sociedade que, por meio de lei de iniciativa popular, referendada pelo TSE, apontou um novo caminho para a seleção de candidatos a cargos eletivos fundado no critério da moralidade e da ética, exigindo como requisito de elegibilidade a não condenação judicial por órgão colegiado”.

A Lei da Ficha Limpa teve origem numa iniciativa popular contra políticos corruptos. No fundo, o raciocínio é que, já que o povo não sabe votar e coloca no poder gente desse naipe, o jeito é impedir os corruptos de se candidatar. A proposta recolheu 1,2 milhão de assinaturas e, em tempo recorde, foi aprovada na Câmara, no Senado e sancionada pelo presidente da República. O problema é que a iniciativa foi tão açodada que criaram um monstrengo jurídico. A versão inicial, feita sob medida para atender à sanha neoudenista da classe média, previa que qualquer pessoa condenada em primeira instância (!) estaria impedida de se candidatar a cargos eletivos. O projeto foi retificado no Congresso, mas ainda assim ficaram falhas clamorosas, como essa que o STF apontou para derrubar a vigência da lei em 2010. Sem contar que há dúvidas sobre a própria constitucionalidade da lei, já que a Carta Magna prevê que “ninguém será julgado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória” (Art. 5º, inciso LVII). Ora, se ninguém pode ser considerado culpado até ser julgado em última instância, como seria possível punir o réu antes disso?

Dá a impressão de que a Lei da Ficha Limpa foi a maneira com que o Legislativo, incomodado com o ativismo legiferante que o Judiciário tem demonstrado nos últimos tempos, principalmente em matéria eleitoral, tentou dar o troco aos magistrados. Meteu o pé pelas mãos. De qualquer forma, se a Justiça no Brasil não fosse tão morosa e burocrática, não seria necessário inventar leis específicas para impedir que corruptos se candidatassem, como o Ficha Limpa. Se os políticos corruptos já tivessem sido julgados e condenados, não poderiam aspirar a ser representantes do povo.

Eles queriam acabar com a corrupção...
É ruim para a democracia brasileira que personagens como Paulo Maluf, Jader Barbalho e Anthony Garotinho, entre outros, estejam impunemente ocupando cadeiras no Congresso Nacional. Mas é muito pior aceitar que, em nome da “moralidade pública”, o Estado Democrático de Direito seja conspurcado. Afinal - sempre é bom lembrar - o discurso moralista contra a corrupção dos políticos, digno de um Catão e um Savonarola, foi uma das justificativas para o golpe cívico-militar de 1º de abril de 1964.

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