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domingo, 30 de janeiro de 2011

EXERCÍCIOS DE "EGIPTOLOGIA"

Imaginar cenários deveria ser atividade permitida somente a fazedores e amantes da sétima arte, mas ninguém que tenha interesse em política, nacional ou internacional, se furta a fazê-lo. Assim, ousarei traçar alguns cenários sobre a evolução da crise política no Egito - com o risco de ser desmentido amanhã, mas sempre existe a desculpa de que a matéria prima dos jornalistas é feita do imponderável...
 
Aiatolá Khomeini
 Cenário iraniano - Um regime aliado dos EUA é deposto por um movimento de massas liderado por uma vanguarda islâmica fundamentalista, como ocorreu no Irã em 1979. Seria um processo revolucionário; neste caso, o Exército, comprometido até a raiz dos cabelos com o antigo regime, acabaria por ser dissolvido e inteiramente reestruturado. Este cenário é altamente improvável; embora exista uma organização fundamentalista islâmica antiga e influente no Egito, a Irmandade Muçulmana, não há um clero organizado como os aiatolás - os egípcios são sunitas -, nem uma liderança religiosa incontestável como Khomeini.

Presidente Bouteflika
Cenário argelino - Esse é mais factível. Se, na esteira da derrubada de Hosni Mubarak e do estabelecimento de um regime democrático, os fundamentalistas ganharem as eleições, as Forças Armadas podem dar um golpe alegando o perigo de o país se transformar numa teocracia, como aconteceu na Argélia em 1992. Lá, depois de 30 anos de regime de partido único, a FLN promoveu eleições multipartidárias, vencidas pela Frente Islâmica de Salvação (FIS). O Exército anulou as eleições e assumiu o poder com Bouteflika; os fundamentalistas reagiram com o terrorismo e o país mergulhou numa sangrenta guerra civil, com mais de 100 mil mortos. Um golpe nessas circunstâncias poderia inclusive ser visto pelos países ocidentais como um "mal menor", como foi na Argélia.

Presidente Ben Ali
Cenário tunisiano - Até agora, o Exército egípcio não se envolveu diretamente na repressão às manifestações populares - essa tarefa tem sido desempenhada com esmero pelas forças de segurança, que já mataram mais de 100 pessoas. Os militares egípcios derrubaram a monarquia em 1952, são fiadores do regime e muito respeitados pela população - o que não ocorre com as forças policiais. Na Tunísia, a decisão do comandante do Exército de não atirar contra os manifestantes selou a sorte do presidente Zine El Abidine Ben Ali. "Analistas acreditam que o ponto de inflexão dos militares pode acontecer se eles forem obrigados a disparar contra os manifestantes em grande número. Uma coisa é proteger edifícios do governo, outra é manchar a reputação do Exército matando cidadãos. Ninguém pensa que uma pessoa leal a Mubarak, como o é Mohamed Tantawi, atrasado e impopular ministro da Defesa, desempenharia o papel de desafiar o presidente, o que não significa que seus subordinados não o fariam", diz Neil Macfarquhar, do New York Times.

Iuri Andropov
Cenário soviético - Omar Suleiman, o novo vice-presidente nomeado às pressas por Mubarak e tido como seu sucessor, comandou a inteligência militar egípcia ("mukhabarat")por 17 anos. Ora, em ditaduras de partido único, os serviços secretos são um dos pilares do Estado e, por isso mesmo, conhecem as mazelas do regime. Seus chefes, quando assumem diretamente o poder, tendem a promover reformas. Foi o que aconteceu na antiga União Soviética, com Iúri Andropov e, depois, Mikhail Gorbatchóv. O problema é destampar a garrafa e não mais controlar o gênio, como aconteceu com a perestroika na URSS. 


Nicolae Ceaucescu
 Variação lusitano-romena - Também pode acontecer de o Exército apoiar a rebelião popular, enquanto os serviços secretos permanecem fiéis defensores da velha ordem - como ocorreu em Portugal em 1974 e na Romênia de 1989. No primeiro caso, foram os militares de média patente (capitães) que derrubaram a ditadura salazarista, encontrando resistência da PIDE, a temida polícia política de Salazar. Na Romênia, o ditador comunista Nicolae Ceaucescu foi derrubado por uma rebelião popular à qual o Exército aderiu, mas teve que enfrentar a não menos temida Securitate, o que fez da transição romena a única sangrenta das que ocorreram naquele ano no bloco soviético.

Tudo são hipóteses, contudo. O que acontecerá realmente no Egito nenhum analista pode prever. Lembro-me que nos anos 1970 e 1980 desenvolveu-se, principalmente entre os americanos, uma categoria de especialistas em política soviética - os chamados "kremlinólogos". Quase todos eram brilhantes e conheciam profundamente a realidade soviética. Nenhum deles previu a implosão do bloco soviético em 1989 e da URSS em 1991.          

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