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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

GENGIS KHAN, O CIVILIZADOR

"Esse nobre rei era chamado Gengis Khan, que em seu tempo tinha tal renome que não havia em lugar algum, em região alguma, um soberano tão eminente em todas as coisas"
Geoffrey Chaucer,
O Conto do Fidalgo, in Os Contos da Cantuária (c. 1395)

Não me recordo quem cunhou a expressão - talvez tenha sido o Paulo Francis - "Fulano está à direita de Gengis Khan", significando que esse alguém tinha pendores togloditas e psicotapas, tipo Hitler, Videla, Pinochet, Stálin ou Pol Pot. Isso porque o líder mongol Gengis Khan (1162-1227) frequentemente foi associado à barbárie, à violência e à crueldade, como Átila, o Huno. Essa visão foi sedimentada no século XVIII pela percepção europeísta dos iluministas franceses. Estudos recentes, contudo, mostram uma realidade muito diferente: Gengis Khan criou um império que, embora feito à base de conquista - mas qual império poderia atirar a primeira pedra impunemente? -, unificou tribos nômades, favoreceu o comércio, criou o papel moeda e praticou a tolerância religiosa. O historiador e antropólogo Jack Weartherfod, de Minnesota, pesquisou profundamente a história de Gengis Khan e do império mongol e resgatou as conquistas dos mongóis para a civilização:

"Em uma conquista após a outra, o exército mongol transformou a guerra em um acontecimento internacional de múltiplas frentes, que se estendiam por milhares de quilômetros. As técnicas de luta inovadoras de Gengis Khan tornaram obsoletos os cavaleiros da Europa medieval com suas armaduras pesadas, substituídos por uma cavalaria disciplinada que se movimentava em unidades coordenadas. Em vez de confiar em fortificações defensivas, Gengis Khan fez uso brilhante da velocidade e da surpresa no campo de batalha, bem como aperfeiçoou a guerra de sítio a ponto de acabar com a era das cidades muradas. Gengis Khan não apenas ensinou seu povo a lutar através de distâncias incríveis, mas a manter a campanha por anos, décadas e, finalmente por mais de três gerações de luta incessante.

Em 25 anos, o exército mongol subjugou mais terras e povos do que os romanos em 400. Gengis Khan, justamente com seus filhos e netos, conquistou as civilizações mais densamente povoadas do século XIII. [...] O império de Gengis Khan conectou e amalgamou as várias civilizações em torno de si em uma nova ordem mundial. Quando de seu nascimento em 1162, o Velho Mundo consistia numa série de civilizações regionais, cada uma podendo afirmar desconhecer virtualmente qualquer civilização além de sua vizinha mais próxima. Ninguém na China havia ouvido falar da Europa, e ninguém na Europa havia ouvido falar da China e, até onde se sabe, nenhuma pessoa havia feito a jornada de um país ao outro. Quando da sua morte, em 1227, Gengis Khan havia ligado essas áreas por meio de contatos diplomáticos e comerciais que permanecem intactos até hoje.

À medida que destruía o sistema feudal de privilégio aristocrático e linhagem, Gengis Khan construía um excepcional sistema baseado no mérito individual, na lealdade e competência. Encontrou cidades mercantis desarticuladas e langorosas ao longo da Rota da Seda e organizou-as na maior zona de livre comércio da história. Baixou os impostos para todos e aboliu-os completamente para médicos, professores, padres e instituições educacionais. Estabeleceu um censo regular e criou o primeiro sistema postal internacional. Seu império não era de acumulação de riquezas e tesouros; em vez disso, distribuía amplamente as mercadorias obtidas em batalha para que pudessem retornar para a circulação comercial. [ ...] Em uma época em que a maioria dos governantes considerava-se acima da lei, Gengis Khan insistia em que as leis considerassem os governantes tão responsáveis quanto o pastor mais simples. Concedeu libertade religiosa dentro de seus domínios; no entanto demandou lealdade absoluta dos indivíduos conquistados de todas as religiões. Insistiu na soberania da lei e aboliu a tortura, mas armou campanhas importantes para encontrar e matar salteadores e assassinos terroristas. Gengis recusou-se a manter reféns e, em vez disso, instituiu a prática original de conceder imunidade diplomática para todos os embaixadores e emissários, incluindo aqueles de nações hostis contra as quais ele estava em guerra. [...]

Aparentemente todos os aspectos da vida europeia - tecnologia, técnicas de guerra, roupas, comércio, alimentação, literatura e música - mudaram durante a Renascença como resultado da influência mongol. Além das novas formas de combate, novas máquinas e novos alimentos, mesmo os aspectos mais rotineiros da vida cotidiana mudaram na medida em que os europeus passaram a usar os tecidos mongóis, vestindo calças e casacos em vez de túnicas e mantos, tocar seus instrumentos musicais com o arco da estepe em vez de dedilhá-los e pintar seus quadros com um novo estilo. Os europeus chegaram a usar a exclamação mongol hurray como uma expressão entusiasmada de bravata e encorajamento mútuo. [...]

Kublai Khan, neto de Gengis Khan, com Marco Polo
Com a passagem dos séculos, os acadêmicos ponderaram as atrocidades e agressões cometidas por homens como Alexandre, César, Carlos Magno ou Napoleão contra suas realizações ou sua missão especial na história. No caso de Gengis Khan e os mongóis, entretanto, suas realizações foram esquecidas, enquanto que seus alegados crimes e brutalidade foram exagerados. Ele se tornou o estereótipo do bárbaro, do selvagem sanguinário, do conquistador implacável que apreciava a destruição por si só. Gengis Khan, a sua horda mongol, e em grande parte o povo asiático em geral tornaram-se criaturas unidimensionais, o simbolo de tudo que está além dos limites civilizados."

Jack Weatherford, Gengis Khan e a Formação do Mundo Moderno



É bom lembrar que um dos herdeiros mais brilhantes de Gengis Khan foi seu neto Kublai Khan, fundador da dinastia Yuan na China, que contratou o italiano Marco Polo como seu embaixador.

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