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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O ESTADO LAICO AMEAÇADO


Marquês de Pombal

"Até a entrada dos jesuítas, Portugal foi culto, próspero e poderoso; em seguida, as letras agonizam, o comércio definha, a navegação decai, o poder militar se abate, perdem-se as virtudes cívicas e desaparece o equilíbrio nas relações entre a Coroa e a Igreja, assim como entre o Rei e os Vassalos"  (Marquês de Pombal)

Se havia alguma dúvida sobre o caráter predominantemente reacionário das igrejas no Brasil, ela caiu por terra durante a atual campanha eleitoral. A pretexto de  de lutar contra o aborto e o casamento gay, vários clérigos católicos e pastores evangélicos subiram aos púlpitos para pedir aos fiéis para que não votassem na candidata do PT, Dilma Rousseff, cujo programa contemplaria essas bandeiras. Com isso, além de se imiscuir em assuntos que não lhe dizem respeito enquanto instituição, as igrejas tentaram impor seus dogmas ao conjunto da cidadania, ameçando os fundamentos do Estado laico estabelecidos desde a Constituição republicana de 1891. A campanha mais agressiva foi conduzida pela Regional Sul-1 da CNBB, com padres e bispos atacando abertamente a candidatura Dilma. É uma situação inadmissível, mas é preciso reconhecer que ao governo brasileiro cabe boa parte da responsabilidade. Afinal, ele assinou uma Concordata com o Vaticano garantindo direitos especiais à Igreja Católica, estendendo depois esses direitos às denominações evangélicas. Com isso, atiçou o apetite dos clérigos, dando-lhes munição para lutarem contra a laicidade.

...copiou as táticas de Pinochet, algoz de Allende

Monica Allende Serra...
Mas o mais grave é o envolvimento da oposição demo-tucana nesse terrorismo religioso. A tática foi abençoada por José Serra, oriundo da esquerda católica - integrante da Ação Popular, ele foi presidente da UNE em 1963. Num interessante artigo publicado na Folha de S. Paulo hoje ("República Fundamentalista Cristã"), o prof. Vladimir Safale diz que o ex-governador tucano "resolveu inovar na política brasileira ao instrumentalizar os dogmas mais arcaicos deste que é o maior país católico do mundo". Começou, diz ele, com a mulher de Serra acusando Dilma Rousseff de querer "matar criancinhas" por causa da defesa que a candidata petista fez, no passado, do direito ao aborto. Lamentável, mas a chilena Monica Allende, embora com o mesmo sobrenome do falecido presidente Salvador Allende, não hesitou em dar uma de Pinochet. Pobre Allende... A campanha foi calhorda, pois o próprio Serra, como ministro da Saúde, regulamentou - acertadamente, diga-se - a prática do aborto por hospitais públicos em casos previstos em lei (estupro e ameaça à saúde da mãe). 

Como diz Safale, "confrontada com esta guinada, a 'classe média esclarecida' não se indignou. As clínicas privadas que fazem abortos ilegais continuariam funcionando. O direito sagrado de salvar a filha de classe média de uma gravidez indesejada continuaria intacto. Para tal classe, o discurso sobre os 'valores cristãos' era apenas uma radicalização eleitoral". Em outras palavras: desde que nossos direitos e privilégios estejam garantidos, os pobres que se lasquem. Não importa que 15% das mulheres brasileiras entre 18 e 39 anos tenham abortado em condições abomináveis e que muitas tenham morrido ou ficado com sequelas.  

 TFP nas ruas: os guardiães das trevas agoram apoiam Serra
Como se não bastasse, o comitê de Serra abriu as portas para que o que existe de mais retrógado na Igreja Católica: a TFP (Tradição, Família e Propriedade), seita ultramontana e anticomunista cujos militantes - ou seriam milicianos? - nos anos 1970 saíam às ruas fantasiados de cavaleiros medievais pregando contra o divórcio e os "padres vermelhos".  Pois, como um vampiro, Serra foi tirá-los das catacumbas. Numa reunião do comitê serrista, os militantes da TFP distribuíram panfletos contra a "ameaça vermelha" representada por Dilma, que, se eleita, legalizaria a prostituição e o casamento gay. Sociedades civilizadas como a Holanda, a Escandinávia e até a Argentina já têm leis nesse sentido, mas para esses representantes das trevas países ideais eram a Espanha da Inquisição ou a ditadura franquista e Portugal salazarista. Fico imaginando o desgosto que teria, se viva fosse, a grande madre Cristina, religiosa católica progressista que foi responsável pela candidatura vitoriosa de Serra à UNE em 1963 e atuou na resistência à ditadura militar. Como ela se sentiria vendo seu pupilo se prestar a tanta torpeza com tipos tão vis?

Nos EUA, o aborto é legal e os protestos também
O avanço da direita religiosa não é privilégio do Brasil. Nos Estados Unidos, onde o aborto é legal, seus militantes atacam clínicas, profissionais da saúde e pacientes. Tiveram muita força durante os governos de Ronald Reagan - quando quase impuseram a obrigatoriedade da reza nas escolas públicas - e George W. Bush. Hoje eles tentam obrigar as escolas a colocar o criacionismo no mesmo patamar científico do darwinismo. Ainda constituem uma força política considerável nos EUA. Já na Europa, a reação é comandada pelo Vaticano, a Internacional da Igreja Católica, que travou verdadeiras batalhas contra os governos da Espanha e de Portugal por conta da legalização do aborto e do casamento gay. Mesmo se tratando de paises de maioria católica, a Santa Sé foi derrotada, felizmente.

Clérigos católicos espanhóis saúdam o fascismo

No passado, quando tinha poder legal, o  Vaticano queimou hereges e condenou Galileu. Depois, sem poder político, mas ainda muito influente, fechou os olhos ao Holocausto, abençoou tiranias como as de Franco e Salazar, torturadores argentinos e Pinochet. Aqui, a Igreja apoiou o golpe de Estado de 1964. Os progressistas da Teologia da Libertação, com raras exceções, foram riscados do mapa. Mas mesmo estes são conservadores quando o tema é a liberalização dos costumes.

Já no século XVIII, o Marquês de Pombal tinha boas razões para expular os jesuítas do Brasil. Hoje, em pleno século XXI, graças à irresponsabilidade de políticos oportunistas, temos que lutar pela preservação do Estado laico estabelecido em 1891...

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