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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

AS ORIGENS DO EQUÍVOCO


Theotônio dos Santos
Nos anos 1960 o professor Theotônio dos Santos foi um dos criadores – ao lado de Rui Mauro Marini, André Gunder Frank e Vânia Bambirra, entre outros –, da Teoria da Dependência, formulação marxista sobre os processos de reprodução do subdesenvolvimento na periferia do capitalismo mundial. Tal teoria buscava repensar o quadro conceitual da esquerda latino-americana, preso aos esquemas dogmáticos do stalinismo, que dizia que entre nós imperava uma burguesia compradora aliada ao latifúndio e ao imperialismo que impedia o desenvolvimento do capitalismo e da burguesia nacionais. A Teoria da Dependência abriu novos horizontes conceituais e políticos para a esquerdas latino-americanas da época. Num dos seus principais trabalhos (Dependência e Desenvolvimento na América Latina, 1967), Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto reformularam as teses da dependência postulando, por exemplo, que a internacionalização do capitalismo não criava, necessariamente, estagnação econômica e subdesenvolvimento nem a necessidade inevitável do socialismo. As más línguas dizem que, uma vez no Planalto, FHC levou suas teses ao pé da letra, escancarando a abertura externa. Nesta carta aberta a FHC, da qual reproduzo trechos, Theotônio sustenta que os fracassos do governo tucano se devem a concepções teóricas equivocadas.

FHC, Prebisch, Serra e Quijano no Chile


"Meu caro Fernando,
Vejo-me na obrigação de responder a carta aberta que você dirigiu ao Lula, em nome de uma velha polêmica que você e o José Serra iniciaram em 1978 contra o Rui Mauro Marini, eu, André Gunder Frank e Vânia Bambirra, rompendo com um esforço teórico comum que iniciamos no Chile na segunda metade dos nos 1960. A discussão agora não é entre os cientistas sociais e sim a partir de uma experiência política que reflete, contudo, este debate teórico. Esta carta assinada por você como ex-presidente é uma defesa muito frágil, teórica e politicamente, de sua gestão. Quem a lê não pode compreender porque você saiu do governo com 23% de aprovação enquanto Lula deixa o seu governo com 96% de aprovação. Já discutimos em várias oportunidades os mitos que se criaram em torno dos chamados êxitos do seu governo. Já no seu governo vários estudiosos discutimos [...], o inevitável caminho de seu fracasso junto à maioria da população. Pois as premissas teóricas em que baseava sua ação política eram profundamente equivocadas e contraditórias com os interesses da maioria da população.

[...]

Contudo nesta oportunidade me cabe concentrar-me nos mitos criados em torno do seu governo, os quais você repete exaustivamente nesta carta aberta.

O primeiro mito é de que seu governo foi um êxito econômico a partir do fortalecimento do real e que o governo Lula estaria apoiado neste êxito alcançando assim resultados positivos que não quer compartir com você... Em primeiro lugar vamos desmitificar a afirmação de que foi o plano real que acabou com a inflação. Os dados mostram que até 1993 a economia mundial vivia uma hiperinflação na qual todas as economias apresentavam inflações superiores a 10%. A partir de 1994, TODAS AS ECONOMIAS DO MUNDO APRESENTARAM UMA QUEDA DA INFLAÇÃO PARA MENOS DE 10%. Claro que em cada pais apareceram os “gênios” locais que se apresentaram como os autores desta queda. Mas isto é falso: tratava-se de um movimento planetário.

No caso brasileiro, a nossa inflação girou, durante todo seu governo, próxima dos 10% mais altos. TIVEMOS NO SEU GOVERNO UMA DAS MAIS ALTAS INFLAÇÕES DO MUNDO. E aqui chegamos no outro mito incrível. Segundo você e seus seguidores (e até setores de oposição ao seu governo que acreditam neste mito) sua política econômica assegurou a transformação do real numa moeda forte. Ora Fernando, sejamos cordatos: chamar uma moeda que começou em 1994 valendo 0,85 centavos por dólar e mantendo um valor falso até 1998, quando o próprio FMI exigia uma desvalorização de pelo menos uns 40% e o seu ministro da economia recusou-se a realizá-la “pelo menos até as eleições”, indicando assim a época em que esta desvalorização viria e quando os capitais estrangeiros deveriam sair do país antes de sua desvalorização, O fato é que quando você flexibilizou o câmbio o real se desvalorizou chegando até a 4,00 reais por dólar. E não venha por a culpa da “ameaça petista” pois esta desvalorização ocorreu muito antes da “ameaça Lula”. ORA, UMA MOEDA QUE SE DESVALORIZA 4 VEZES EM 8 ANOS PODE SER CONSIDERADA UMA MOEDA FORTE? Em que manual de economia? Que economista respeitável sustenta esta tese?

Conclusões: O plano real não derrubou a inflação e sim uma deflação mundial que fez cair as inflações no mundo inteiro. A inflação brasileira continuou sendo uma das maiores do mundo durante o seu governo. O real foi uma moeda drasticamente debilitada. Isto é evidente: quando nossa inflação esteve acima da inflação mundial por vários anos, nossa moeda tinha que ser altamente desvalorizada. De maneira suicida ela foi mantida artificialmente com um alto valor que levou à crise brutal de 1999.

FHC gostava de falar fino com Tio Sam
Segundo mito: segundo você, o seu governo foi um exemplo de rigor fiscal. Meu Deus: um governo que elevou a dívida pública do Brasil de uns 60 bilhões de reais em 1994 para mais de 850 bilhões de dólares quando entregou o governo ao Lula, oito anos depois, é um exemplo de rigor fiscal? Gostaria de saber que economista poderia sustentar esta tese. Isto é um dos casos mais sérios de irresponsabilidade fiscal em toda a história da humanidade.

E não adianta atribuir este endividamento colossal aos chamados “esqueletos” das dívidas dos estados, como o fez seu ministro de economia burlando a boa fé daqueles que preferiam não enfrentar a triste realidade de seu governo. UM GOVERNO QUE CHEGOU A PAGAR 50% AO ANO DE JUROS POR SEUS TÍTULOS, PARA EM SEGUIDA DEPOSITAR OS INVESTIMENTOS VINDOS DO EXTERIOR EM MOEDA FORTE A JUROS NORMAIS DE 3 A 4%, NÃO PODE FUGIR DO FATO DE QUE CRIOU UMA DÍVIDA COLOSSAL SÓ PARA ATRAIR CAPITAIS DO EXTERIOR PARA COBRIR OS DÉFICITS COMERCIAIS COLOSSAIS GERADOS POR UMA MOEDA SOBREVALORIZADA QUE IMPEDIA A EXPORTAÇÃO, AGRAVADA AINDA MAIS PELOS JUROS ABSURDOS QUE PAGAVA PARA COBRIR O DÉFICIT QUE GERAVA. Este nível de irresponsabilidade cambial se transforma em irresponsabilidade fiscal que o povo brasileiro pagou sob a forma de uma queda da renda de cada brasileiro pobre. Nem falar da brutal concentração de renda que esta política agravou dramaticamente neste país da maior concentração de renda no mundo. VERGONHA FERNANDO. MUITA VERGONHA. Baixa a cabeça e entenda porque nem seus companheiros de partido querem se identifica com o seu governo... te obrigando a sair sozinho nesta tarefa insana.

Terceiro mito: segundo você, o Brasil tinha dificuldade de pagar sua dívida externa por causa da ameaça de um caos econômico que se esperava do governo Lula. Fernando, não brinca com a compreensão das pessoas. Em 1999 o Brasil tinha chegado à drástica situação de ter perdido TODAS AS SUAS DIVISAS. Você teve que pedir ajuda ao seu amigo Clinton que colocou à sua disposição ns 20 bilhões de dólares do tesouro dos Estados Unidos e mais uns 25 BILHÕES DE DÓLARES DO FMI, Banco Mundial e BID. Tudo isto sem nenhuma garantia.
Lula transferiu popularidade à Dilma

Esperava-se aumentar as exportações do pais para gerar divisas para pagar esta dívida. O fracasso do setor exportador brasileiro mesmo com a espetacular desvalorização do real não permitiu juntar nenhum recurso em dólar para pagar a dívida. Não tem nada a ver com a ameaça de Lula. A ameaça de Lula existiu exatamente em conseqüência deste fracasso colossal de sua política macro-econômica. Sua política externa submissa aos interesses norte-americanos, apesar de algumas declarações críticas, ligava nossas exportações a uma economia decadente e um mercado já copado. A recusa dos seus neoliberais de promover uma política industrial na qual o Estado apoiava e orientava nossas exportações. A loucura do endividamento interno colossal. A impossibilidade de realizar inversões públicas apesar dos enormes recursos obtidos com a venda de uns 100 bilhões de dólares de empresas brasileiras. Os juros mais altos do mundo que inviabilizava e ainda inviabiliza a competitividade de qualquer empresa. Enfim, UM FRACASSO ECONÔMICO ROTUNDO que se traduzia nos mais altos índices de risco do mundo, mesmo tratando-se de avaliadoras amigas. Uma dívida sem dinheiro para pagar... Fernando, o Lula não era ameaça de caos. Você era o caos. E o povo brasileiro correu tranquilamente o risco de eleger um torneiro mecânico e um partido de agitadores, segundo a avaliação de vocês, do que continuar a aventura econômica que você e seu partido criou para este pais."

[...]

Theotônio dos Santos

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