Powered By Blogger

domingo, 14 de março de 2010

TANCREDO NEVES: MESTRE DA RETÓRICA E DA LIBERDADE

O Brasil contemporâneo teve dois herois trágicos, no sentido grego da palavra: Getúlio Vargas, que se suicidou em 1954 para não ser deposto e deixou uma carta-testamento na qual denunciava os interesses antinacionais de seus adversários políticos, e Tancredo Neves, cuja eleição indireta pelo Colégio Eleitoral, há 25 anos, pôs fim à ditadura civil-militar estabelecida em 1964. Tancredo adoeceu na véspera da posse, em 14 de março de 1985, e morreria em 21 de abril, depois de dramática agonia, vítima de inépcia médica. Sua doença, um tumor benigno, se agravou porque ele se recusou a receber tratamento antes de assumir por temer um veto militar à posse do vice, José Sarney, dissidente do PDS, então partido da ditadura. Sacrificou a vida pelo restabelecimento da democracia no Brasil.

Ele ficou conhecido como político hábil, moderado e conciliador, uma das "raposas" do velho PSD mineiro. Essa ideia é uma meia-verdade: sua firmeza política algumas vezes beirava à temeridade, como em 1954, quando a Aeronáutica estabeleceu a "República do Galeão", um poder parelelo para investigar o assassinato do major Rubens Vaz no atentado contra Carlos Lacerda. Tancredo, então ministro da Justiça de Vargas, defendeu o afastamento e a prisão dos militares insubordinados. Em 1964, foi um dos únicos políticos a ir ao aeroporto se despedir do presidente deposto, Jango Goulart. Em abril daquele ano, quando um Congresso manietado por cassações se reuniu para referendar o marechal Castello Branco como presidente da República, Tancredo foi um dos poucos parlamentares a votar contra. Juscelino Kubitschek e Ulysses Guimarães, por exemplo, acreditando na conciliação mais do que ele, votaram a favor do marechal. Na articulação para a eleição no Colégio Eleitoral, Tancredo realizou uma das maiores obras de engenharia política do país ao se articular com a dissidência do regime militar para derrotar o candidato da linha-dura, o nefasto Paulo Salim Maluf. Ele foi, acima de tudo, um político coerentemente democrata.

Mestre da oratória, era uma espécie de Cícero tupiniquim:
"Ainda que o movimento de 1964 tivesse transformado nossa pátria num paraíso, eu não me arrependo de ter feito oposição. Para meu ideário político, o valor supremo da vida é a liberdade. O paraíso, se estiver cercado, será sempre o infermo";
" O processo ditatorial, o processo autoritário traz consigo o germe da corrupção. O que existe de ruim no processo autoritário é que ele começa a desfiguar as instituições e acaba desfigurando o caráter do cidadão";
"Não se tira o sapato antes de chegar ao rio. Mas também ninguém chega ao Rubicão para pescar".
Seu discurso depois da vitória é uma peça tão poderosa quanto a carta-testamento de Vargas: "Com o êxtase e o terror de ter haver sido o escolhido, como diria Verlaine, entrego-me hoje ao serviço da Nação [...] Se todos quisermos, dizia-nos há quase 200 anos, Tiradentes, aquele heroi enlouquecido de esperança, poderemos fazer desse país uma grande nação. Vamos fazê-la".

Nenhum comentário:

Postar um comentário